Avó, eu escrevi assim em 29 de
Dezembro de 1975.
Não tenho palavras nem lágrimas correm para exprimir a dor. Morreste, é
verdade, embora, por vezes, pareça mentira.
É como se existissem três avós: a Bábá, nome que te dei e os outros
adoptaram, a doente e a morta. Todas queridas e diferentes. A realidade é
outra, agora só há uma avó, a morta. Já nada podemos fazer por ti. Nem rezar
posso, não acredito. Se houver uma vida para além da morte, tu serás feliz.
Como eu quero que haja! É a minha esperança. Caso contrário, tudo é nada, o
niilismo. Ficou a tua recordação. Mas a ti de que te serve?
No dia em que vieste morta para S. Domingos de Rana, a carrinha
funerária desceu em direcção a Caxias. Apesar de Inverno, o mar estava tão
azul, reflexo certo do céu, com um sol tão brilhante.
- Essa imagem nunca se apagou da minha memória, mesmo agora passados
muitos anos. –
Todos os dias tenho recordado bocados da tua / nossa vida.
Quando chega a noite, tenho medo, fico inquieta e melancólica. Creio que
são as trevas, essa maldita escuridão. Esta impotência de nada poder fazer. Nem
gritos ou risos te devolverão a vida. No meu futuro a conformação.
Por várias vezes, quando estou em
Lisboa, tenho passado na Rua de S. João da Praça. Lá está o largo em frente à
tua porta. Os pombos são os mesmos, quase parece.
Tenho pensado em subir ao teu
andar, bater à porta, ver quem agora habita onde moraste, o que fizeram da
casa. Nunca consegui.
Desço pelas escadas do beco,
aquele que cheirava, cheira ainda a urina. Tenho receio de lá passar, tal como
em garota. “É preciso cuidado. Pode lá haver algum homem”, dizias.
Desço apressada, pelo medo e pelo
cheiro. E não quero voltar.
Hoje, 1 de Novembro de 2011, uma
flor para ti.